A Porto Seguro está enviando para vários consumidores cartas de aviso do cancelamento unilateral de seus contratos empresariais de plano de saúde. Nas notificações, a seguradora alega previsão contratual para a rescisão imotivada dos planos de saúde.
Os avisos enviados no início de novembro de 2024 informam que os contratos serão rescindidos a partir de 1º de janeiro de 2025, com a suspensão de todos os serviços de assistência médica.
Ainda de acordo com as notificações, cabe às empresas divulgar aos beneficiários do contrato (funcionários ativos e inativos) a rescisão, “ratificando que a Porto Seguro não poderá ofertar seguro saúde individual, uma vez que não atua neste segmento”.
O cancelamento dos planos de saúde empresariais tornou-se, então, a principal preocupação entre os beneficiários desses contratos, sobretudo daqueles que estão em tratamento médico.
Mas, afinal, a Porto Seguro pode cancelar o plano de saúde de forma unilateral e sem motivo apenas porque ele é empresarial? Como ficam os beneficiários que dependem do tratamento médico nestes casos?
Neste artigo responderemos a estas e outras questões relacionadas à rescisão unilateral dos planos de saúde.
Saiba, de antemão, que essa não é uma conduta exclusiva da Porto Seguro, já que outras operadoras têm rescindido unilateralmente contratos de planos de saúde coletivos sem um justo motivo.
Mas é importante ressaltar que há diversos entendimentos na Justiça que impedem a rescisão unilateral do plano de saúde, principalmente de pessoas em tratamento médico.
Além disso, muitas decisões judiciais já impediram o cancelamento do contrato de plano de saúde de pequenas empresas que, na realidade, servem para oferecer assistência médica a famílias, reconhecendo-os como “falsos planos empresariais”.
Entenda mais, a seguir!
Nos avisos enviados aos consumidores, a Porto Seguro não informou o motivo da rescisão unilateral dos planos de saúde, apenas destacou a cláusula contratual que prevê a possibilidade de cancelamento do contrato de forma imotivada.
Veja, a seguir, a carta recebida por uma das empresas beneficiárias da Porto Seguro:
É provável, no entanto, que a Porto Seguro tenha optado por cancelar os contratos empresariais que estavam lhe causando “prejuízo” - ou seja, pacientes em tratamento médico ou que fazem uso contínuo do seguro, sobretudo os que utilizam a cláusula de reembolso.
E, para isto, utilizou-se a cláusula que prevê a rescisão imotivada para justificar a retirada destes beneficiários de suas carteiras.
Outra possibilidade é a tentativa de encerrar os contratos empresariais regulares para aumentar a venda de planos com cláusula de coparticipação. Afinal, esta tem sido a preferência das operadoras de saúde atualmente.
A notificação de cancelamento dos contratos de planos de saúde empresariais da Porto Seguro surpreendeu os consumidores. Mas esta não é a primeira vez que beneficiários sofrem com este problema.
Recentemente, a Amil cancelou diversos planos de saúde administrados pela Qualicorp, por exemplo. Antes, em março de 2023, a Bradesco Saúde rescindiu vários contratos empresariais, sobretudo de pequenas empresas.O mesmo foi feito posteriormente pela Unimed, que anunciou a rescisão unilateral de, ao menos, 2 mil planos de saúde empresariais.
E esta sequência de cancelamentos em massa resultou no aumento do número de queixas contra as operadoras de planos de saúde no último ano.
Um levantamento do Procon-SP revelou o crescimento de 400% nas reclamações por problemas de alteração e rescisão de contrato sem solicitação ou aviso prévio. Foram 24 queixas em abril de 2023 contra 120 reclamações no mesmo mês deste ano.
No mesmo sentido, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostrou que as reclamações sobre rescisão unilateral de contratos em planos coletivos por adesão saltaram de 194 queixas em abril de 2023 para 524 reclamações no mesmo mês deste ano. Ou seja, uma alta de 170% no período.
Por conta disso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJ-SP) solicitou a 20 operadoras de planos de saúde, incluindo a Porto Seguro, explicações sobre os cancelamentos unilaterais.
De acordo com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que pertence ao MJ-SP, o objetivo é “garantir que as operadoras de saúde respeitem os direitos dos consumidores, proporcionando transparência e segurança”. “Estamos tomando medidas rigorosas para assegurar que esses abusos sejam coibidos e que os beneficiários tenham suas necessidades atendidas com dignidade e respeito”, disse a Senacon ao Infomoney.
Para responder a esta questão, é preciso analisar a natureza do contrato e o motivo do cancelamento, pois há situações em que a rescisão unilateral do plano empresarial pode ser legal.
Por exemplo, se há fraude ou inadimplência maior que 60 dias, é totalmente lícito o cancelamento do contrato pela operadora de saúde.
Além disso, a Justiça entende que em planos verdadeiramente empresariais - contratados por grandes empresas - vige a livre negociação entre as partes. Sendo assim, a cláusula que permite o cancelamento com aviso prévio é aceita. Isto porque quanto maior a empresa, maior a simetria na relação com a operadora.
Por outro lado, se o plano de saúde foi contratado por um CNPJ mas, na verdade, serve para ofertar a assistência médica a uma família, por exemplo, a rescisão unilateral pela operadora é tida como ilegal pela Justiça, já que a relação deixa de ser simétrica.
“É completamente diferente uma grande empresa contratar um plano de saúde de uma pequena empresa. A grande empresa tem simetria na negociação com a seguradora e, portanto, não precisa que a Justiça intervenha em seu socorro. A pequena empresa é diferente e, nos contratos com até 30 vidas, a Justiça tende a olhar de forma distinta, aplicando as regras mais protetivas do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil e, até mesmo, equiparando em muitos casos esses contratos aos planos familiares”, explica o advogado especialista em plano de saúde, Elton Fernandes.
Se não houve fraude ou inadimplência superior a 60 dias, a rescisão unilateral de planos de saúde empresariais que, na realidade, servem apenas para que uma família tenha assistência médica pode ser considerada ilegal.
Esse tem sido o entendimento da Justiça, que reconhece a finalidade destes contratos - chamados “falso empresarial” - e aplica a eles as regras dos planos individuais e familiares.
“No Direito existe um princípio chamado de primazia da realidade. Significa dizer que não importa o nome que eu dou ao contrato, mas importa o que acontece na prática. E, portanto, se o plano de saúde serve para que uma família seja associada da operadora, mesmo que contratado via um CNPJ, são as regras dos planos familiares que devem ser aplicadas”, menciona Elton Fernandes.
Portanto, é a realidade do contrato ou do beneficiário do plano de saúde que poderá revelar quais as chances de sucesso em eventual ação judicial contra o cancelamento unilateral da Porto Seguro.
Por isso, se você recebeu a notificação de rescisão de contrato da seguradora, é importante consultar um advogado especialista em plano de saúde para saber como proceder.
Pacientes em tratamento médico que receberam o aviso de cancelamento de seus planos de saúde da Porto Seguro podem buscar a continuidade do contrato judicialmente.
Isto porque, via de regra, a Justiça tem entendido que pacientes com doença grave não podem ter o plano de saúde cancelado, salvo em casos de fraude ou inadimplência superior a 60 dias.
“Pessoas internadas, com câncer, pessoas dentro do espectro autista ou mesmo portadores de outros problemas graves de saúde que colocam o beneficiário em risco de morte ou mesmo de danos irreparáveis merecem especial atenção da Justiça, que pode determinar a manutenção do plano de saúde”, afirma Elton Fernandes.
Nestes casos, é possível discutir a continuidade do contrato de plano de saúde para todos os beneficiários ou exclusivamente para aqueles que estão em tratamento médico.
Além disso, as regras do setor impedem o que se chama de “seleção de risco”. Ou seja, diferentemente de um seguro de carro em que a seguradora pode escolher se deseja ou não fazer negócio com o cliente, no caso dos planos de saúde não há essa possibilidade e o sistema é aberto a todos os que querem contratar, bastando que aceitem pagar o valor cobrado por faixa etária (ou seja, não pode haver diferenciação de preço entre beneficiários de um mesmo contrato, na mesma faixa etária).
Veja o que disse a ANS em nota divulgada recentemente:
“Não pode haver seleção de riscos pelas operadoras de planos de saúde no atendimento, na contratação ou na exclusão de beneficiários em qualquer modalidade de plano de saúde. Nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano de saúde em função da sua condição de saúde ou idade, não pode ter sua cobertura negada por qualquer condição e, também, não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos”.
Apesar de o tratamento médico evidentemente agravar a situação do beneficiário, a lei é a mesma para todos. Portanto, quem não está doente ou em tratamento médico também pode pleitear a manutenção do contrato de plano de saúde em uma eventual rescisão unilateral, como a que está sendo feita pela Porto Seguro.
Isto porque o fundamento legal não se dá apenas nos casos em que há beneficiários doentes. Ninguém pode ter o plano de saúde cancelado pela operadora, salvo por motivo de fraude ou inadimplência maior de 60 dias, mesmo sendo um plano contratado por um CNPJ.
Nesta situação, é fundamental que você converse com um advogado especialista em Direito à Saúde para te orientar sobre como buscar a manutenção do contrato.
Este profissional poderá analisar concretamente seu caso e dizer as reais chances de uma eventual ação contra a Porto Seguro contra a rescisão unilateral.
Como mencionamos, os juízes costumam analisar o objetivo do contrato e, reconhecendo se tratar de um falso empresarial - que apenas serve para que uma família tenha assistência médica -, determinam a aplicação das regras dos planos individuais e familiares, considerando a rescisão indevida.
Desse modo, é perfeitamente possível buscar a manutenção do seu contrato de plano de saúde empresarial na Justiça após o recebimento da notificação de rescisão unilateral pela Porto Seguro.
Dada a urgência que o beneficiário tem pela manutenção do seu contrato de plano de saúde, esse tipo de ação é feito com pedido de liminar pelo advogado.
Liminares, geralmente, são analisadas pela Justiça em 2 a 3 dias e, se o juiz entender pelo direito e urgência do consumidor em ter o plano de saúde restabelecido, pode determinar que o contrato empresarial com a Porto Seguro seja mantido ativo até que se tenha uma decisão final.
Saiba mais como a liminar funciona no vídeo abaixo:
A liminar é uma decisão provisória para casos em que uma situação urgente exige uma análise acelerada da Justiça. E, para que um juiz a conceda, precisa entender que há urgência no caso.
Além disso, deve compreender bem a tese jurídica e entender que, aparentemente, o direito daquela pessoa existe mesmo e precisa ser imediatamente salvaguardado.
Após ouvir os argumentos do plano de saúde, o juiz terá de tomar uma decisão final que poderá, eventualmente, confirmar a liminar, tornando-a definitiva.
Portanto, se o juiz entender que o beneficiário tem o direito a manter o plano de saúde e que a questão é urgente - como num caso de tratamento médico em curso -, poderá conceder uma liminar determinando a manutenção do contrato com a Porto Seguro.
E mais, poderá confirmar a liminar em uma decisão definitiva no final do processo, por exemplo, determinando que a seguradora só possa cancelar o contrato por fraude ou inadimplência superior a 60 dias, como é o caso dos planos familiares.
Mas é importante destacar, porém, que cada caso precisa ser analisado cuidadosamente por um profissional especialista em plano de saúde a fim de compreender as particularidades e a viabilidade da ação judicial.
Nunca se pode afirmar que se trata de “causa ganha”. Quem quer que afirme isso não tem a menor ideia da seriedade do trabalho que isso envolve.
E, para saber as reais possibilidades de sucesso de sua ação, é fundamental conversar com um advogado especialista em Direito à Saúde para avaliar todas as particularidades do seu caso, pois há diversas variáveis que podem influir no resultado da ação, por isso, é necessário uma análise profissional e cuidadosa.
O fato de existirem decisões favoráveis em ações semelhantes mostra que há chances de sucesso, mas apenas a análise concreta do seu caso por um advogado pode revelar as chances de seu processo. Portanto, converse sempre com um especialista no tema.
A portabilidade do plano de saúde para outra operadora é uma alternativa para quem não pode ficar sem o plano de saúde, mas não quer ingressar na Justiça contra a Porto Seguro.
Todo o processo é feito diretamente no site da ANS pelo próprio consumidor e, por se tratar de uma portabilidade involuntária - ou seja, que não ocorre por escolha do beneficiário -, pode ser realizada em até 60 dias após o cancelamento do plano de saúde empresarial.
Mas é preciso ter muito cuidado e entender o que realmente é a portabilidade, de modo a fazê-la corretamente. Por isso, caso tenha dúvidas, fale com um advogado especialista em plano de saúde para te auxiliar nesse processo.
Escrito por:
Elton Fernandes, advogado especialista em ações contra planos de saúde, professor de pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto, da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Instituto Luiz Mário Moutinho, em Recife, professor do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Medicina da USP e autor do livro "Manual de Direito da Saúde Suplementar: direito material e processual em ações contra planos de saúde". |
Foto em destaque: Porto Seguro/Reprodução