Justiça condena seguro saúde a fornecer medicamento Harvoni a paciente em Hepatite C
Em mais um processo judicial deste escritório de advocacia especialista em plano de saúde, a Justiça confirmou o direito de uma paciente de receber o medicamento Harvoni pelo plano de saúde.
Segundo Elton Fernandes, advogado especialista em plano de saúde, mesmo que o medicamento não esteja na lista da Anvisa ou no rol da ANS, trata-se de obrigação do plano de saúde que deve fornecer o medicamento, independentemente da existência de fibrose ou do grau de evolução da doença.
Na decisão, a Justiça garantiu a paciente o medicamento e também uma multa, tendo em vista que o plano de saúde atrasou a entrega do medicamento em alguns dias.
Disse a Justiça:
Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER ajuizada (...). Narra a autora, em síntese, que: 1) é beneficiária do plano de saúde administrado pela ré; 2) foi diagnosticada com hepatite C, com carga viral e enzimas hepáticas elevadas (CID B18.2); 3) se a patologia não for tratada, poderá haver evolução do quadro para cirrose e carcinoma hepatocelular; 4) o médico que a assiste prescreveu o uso do medicamento Harvoni, que é a junção em uma única cápsula dos medicamentos (ledispavir) + SOVALDI (sofosbuvir), durante três meses; 5) o medicamento sofosbuvir, registrado na ANVISA, depende da atuação do medicamento ledispavir para fazer efeito; 6) o medicamento prescrito é a única alternativa de tratamento e possibilita a cura da hepatite crônica, apresentando mínimos efeitos colaterais e 7) a ré se negou a fornecer o tratamento.
A autora postula a condenação da ré à obrigação de cobrir o tratamento com o medicamento Harvoni (fls. 01/13).A petição inicial foi instruída com os documentos de fls. 14/88.Em sede de tutela antecipada, o pedido foi deferido para o fim de determinar que a ré custeasse integralmente o tratamento com o medicamento Harvoni (sofosbuvir 400 mg + ledipasvir 90 mg), inclusive a sua aquisição (fls. 89/90).
A ré foi citada (fl. 380) e ofereceu contestação aduzindo que: 1) o medicamento prescrito é importado e não possui registro na ANVISA; portanto, não possui cobertura contratual; 2) o fornecimento de medicamentos importados sem registro na ANVISA pode resultar em consequências inesperadas à saúde da paciente; 3) a entrada em território nacional de medicamentos sem registro na ANVISA configura prática do crime previsto no artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal; 4) o tratamento com o medicamento requerido não está previsto no rol da ANS; 5) não há cobertura para medicamentos utilizados em âmbito domiciliar; 6) o tratamento é fornecido pelo SUS e 7) eventual reembolso deverá ser feito conforme a tabela de honorários do contrato (fls. 111/135).Com a contestação vieram os documentos de fls. 136/376.A ré informou o cumprimento da tutela às fls. 440/441.
A autora apresentou réplica (fls. 462/471).
É O RELATÓRIO.FUNDAMENTO E DECIDO.
Julgo antecipadamente a lide, com fulcro no inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil, porque a matéria de fato depende exclusivamente de prova documental.Deixo de designar audiência de tentativa de conciliação, porque as partes não manifestaram interesse em relação à medida (fls. 386/388 e 439).O pedido é procedente pelos motivos que passo a expor.A abusividade da negativa de cobertura no caso vertente é manifesta.
A autora é portadora de hepatite crônica viral C, com carga viral e enzimas hepáticas elevadas.Diante do seu quadro clínico, ela recebeu indicação médica para o tratamento imediato com o uso do medicamento Harvoni (sofosbuvir 400 mg + ledispavir 90 mg), pelo período de 84 dias, que tem perspectiva de cura de 97% a 100% e, por conseguinte, garante a sobrevida da autora e evita a evolução do carcinoma hepatocelular, bem como a descompensação da doença hepática e eventual necessidade de transplante hepático, conforme relatório médico de fls. 51.
Nesse passo, o sucesso do tratamento da autora depende da utilização do medicamento prescrito pelo seu médico e, portanto, deve ser abrangido pelo atendimento do plano de saúde, sendo irrelevante que seja ministrado em ambiente ambulatorial ou domiciliar.De fato, a recusa ao fornecimento do medicamento sob o argumento de ser importado e não aprovado pela ANVISA está embasada em cláusula nula de pleno direito; porquanto abusiva, uma vez que contrária ao bom senso e a boa-fé, que necessariamente devem informar os contratos regulados pelo Código de Defesa do Consumidor.
O fato de o medicamento ser importado e sem registro na ANVISA constitui circunstância que não se sobrepõe ao direito de saúde da autora diante da perspectiva de cura da doença da qual é portadora.Por sua vez, estabelece a Súmula 95 do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "Havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico".
Por sua vez, as cláusulas 6.14 e 6.19 do contrato, que excluem a cobertura de medicamentos não utilizados durante o regime de internação hospitalar ou de tratamento ambulatorial, e de medicamentos não reconhecidos por órgão governamental competente, são nulas de pleno direito, porquanto abusivas, uma vez que contrárias ao bom senso e a boa-fé, que necessariamente devem informar os contratos regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, e a sua aplicação poderia agravar o quadro de saúde da autora.As cláusulas contratuais, que restringem os riscos da seguradora, devem ser interpretadas de forma razoável.
De fato, a despesa com a cobertura faz parte do risco inerente ao contrato e, por conseguinte, deve ser arcada pela ré, no total e sem limitação de valor, e independentemente de o medicamento ser fornecido ou não pelo SUS.A não cobertura vai de encontro com a própria natureza do contrato, que é de serviço de assistência à saúde.Nesse passo, à luz do art. 51, inciso IV, e §1º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula contratual que exclui a cobertura no caso vertente não possui força obrigatória, por ser abusiva e, consequentemente, nula de pleno direito; uma vez que restringe obrigação fundamental inerente à própria natureza do contrato.
Ao abranger o tratamento de determinada moléstia, não cabe à seguradora definir qual a terapia que deve ser adotada para fins de cobertura. Incluído o procedimento a que fora submetido o segurado, toda e qualquer medida tendente a minimizar ou eliminar a doença relacionada tem de ser coberta, prevalecendo a interpretação contratual mais favorável à consumidora.Interpretação diversa consistiria em imposição de notória desvantagem à parte mais fraca da relação contratual.Destaque-se que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "o plano de saúde pode estabelecer quais doenças estão sendo cobertas, mas não que tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura. (...) A abusividade da cláusula reside exatamente nesse preciso aspecto, qual seja, não pode o paciente, em razão de cláusula limitativa, ser impedido de receber o tratamento com o método mais moderno disponível no momento em que instalada a doença coberta" (STJ, REsp 668.216/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 02.04.2007).
De outra banda, também assentou-se no STJ que: "o direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de forma a subtrair do negócio sua finalidade precípua" (STJ Resp nº 735.168 RJ DJU 26.03.2008).Com relação ao custeio do medicamento Harvoni, posiciona-se o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:"PLANO DE SAÚDE. Autora portadora de Cirrose Hepática. Fornecimento do medicamento Harvoni (Sofosbuvir 400mg + Ledipasvir 90 mg). Negativa de cobertura do plano de saúde sob o fundamento de que a medicação é de uso oral domiciliar e por não constar no rol da ANS. Existência de prescrição médica. Recusa de cobertura abusiva (arts. 14 e 51, IV e § 1º do CDC).
Aplicação da Súmula nº 102 deste E. Tribunal. Dano moral "in re ipsa", presente o dever de indenizar. Indenização arbitrada em R$ 10.000,00, em consonância com os critérios legais e com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Condenação ao pagamento de multa por retardo no cumprimento da liminar. Descabimento. Medicamento importado e de alto custo, com entraves para a importação. Sucumbência integral da ré. RECURSO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO, DESPROVIDO O DA RÉ" (Apelação nº 1009861-38.2015.8.26.0011, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. ALEXANDRE MARCONDES, j. 29/06/2016)."Plano de saúde - Paciente acometida por HEPATITE CRÔNICA VIRAL C - Prescrição por médico especialista e que assistia a paciente do medicamento HARVONI (sofosbuvir 400mg e ledipasvir 90 mg) - Custos e fornecimento da droga a cargo da seguradora, independentemente de ela ser considerada experimental no âmbito da legislação nacional e de uso oral e domiciliar, tendo em vista o fim social do contrato (art. 421 do CC), que é o de permitir que a usuária tenha efetiva e completa assistência à saúde, nos limites do contrato - Remédio indispensável para tentar prolongar a vida da paciente - Sentença mantida - Não provimento" (Apelação nº 1111080-55.2014.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. ENIO ZULIANI, j. 28/01/2016).
Por fim, observo que o despacho de fls. 89/90, que determinou que a ré custeasse o tratamento com o medicamento Harvoni no prazo de 48 horas, foi descumprido.O despacho em questão especificou todas as informações necessárias à sua efetivação; logo, eventuais embaraços administrativos constituem questões alheias ao objeto da ação e deveriam ter sido solucionados pela ré por meio da via própria, até porque a autora já aguardava pelo medicamento há mais de um mês (fl. 54).
Assim, afasto a alegação da ré no sentido de que não houve recusa ao cumprimento da tutela antecipada concedida.O mandado de citação foi juntado aos autos no dia 28 de março de 2016 (fls. 378/380) e a ré cumpriu a tutela antecipada apenas no dia 23 de maio de 2016 (fl. 441).Logo, o descumprimento da tutela antecipada durou 54 dias.A multa diária foi fixada no montante de R$ 5.000,00. No entanto, nos termos do art. 461, §6º, do CPC de 1973 (aplicável ao caso vertente, considerando a data em que foi proferida a decisão que fixou a multa diária), reduzo o valor para R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a fim de evitar enriquecimento sem causa à autora.Isto porque o valor tornou-se excessivo e muito superior ao proveito econômico perseguido pela autora.
Por outro lado, cumpre sopesar que a obrigação de fazer em questão foi integralmente cumprida.Neste passo, considerando o tempo que a ré levou para cumprir a obrigação, e que o montante devido a título de multa diária não pode superar o proveito econômico visado com a lide, fixo o total do montante devido a este título em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).Diante do exposto, e do mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de: 1) condenar a ré a arcar com todas as despesas geradas em razão do uso do medicamento Harvoni (sofosbuvir 400 mg + ledispavir 90 mg), conforme prescrição médica, até a alta médica, tornando definitiva a tutela antecipada concedida, e 2) fixar o valor total devido a título de multa diária no montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Condeno a ré ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que, com fulcro no artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, fixo no montante de dez por cento sobre o valor da causa, atualizado pela Tabela Prática do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desde a data do ajuizamento da ação até a data do efetivo pagamento.P.R.I.
Se você possui prescrição do seu médico para uso do medicamento Harvoni (sofosbuvir + ledispavir), procure um advogado especialista no Direito da Saúde e lute pelo seu direito.