Os reajustes dos planos de saúde para 2025 têm gerado debates, com projeções indicando aumentos significativos, entre 13,7% e 21,8%, segundo a consultoria Aon. A justificativa recorrente para esses aumentos é a chamada "inflação médica", que, segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), atingiu 16,9% em 2024, bem acima do IPCA de 2024, de 4,5%.
No entanto, essa narrativa, embora amplamente divulgada, não explica completamente os motivos por trás dos reajustes, especialmente nos planos coletivos, e ignora fatores como o lucro das operadoras e as diferenças entre os reajustes regulados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e os aplicados pelas operadoras.
Neste artigo, explicamos por que os reajustes vão além da inflação médica - e o que você pode fazer a respeito. Antes de mais nada, é importante saber que esses aumentos, que impactam diretamente o bolso dos consumidores, podem ser questionados. É possível, inclusive, buscar a recuperação de valores cobrados indevidamente nos últimos três anos, através da Justiça, especialmente em casos de reajustes abusivos em planos coletivos.
A inflação médica é frequentemente citada como o principal fator dos reajustes, atribuída ao aumento dos custos hospitalares, incorporação de novas tecnologias e maior demanda por atendimentos eletivos pós-pandemia.
Segundo a Aon, a inflação médica no Brasil deve atingir 12,9% em 2025, acima da média global de 10%. Esses números, embora relevantes, não justificam integralmente os aumentos aplicados, especialmente quando analisamos o histórico de lucros das operadoras.
De acordo com dados do mercado, grandes operadoras de saúde têm registrado lucros consistentes nos últimos anos. Em 2023, por exemplo, a receita líquida de operadoras listadas na B3 cresceu em média 10%, com margens de lucro que variam entre 5% e 15%, mesmo após a pandemia.
Agora, em 2025, as operadoras de saúde somaram um lucro líquido de R$ 6,9 bilhões somente no primeiro trimestre, conforme dados do Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar, da ANS.
A ANS regula os reajustes dos planos individuais, que representam cerca de 20% do mercado. Para 2024, o teto de reajuste definido pela ANS foi de 6,91%, próximo ao IPCA. No entanto, os planos coletivos (empresariais e por adesão), que abrangem 80% dos beneficiários, sofreram reajustes de até 30%, já que não têm limite de reajuste fixado pela ANS.
Ou seja, se a inflação médica, com alta de 12,9% projetada para 2025 segundo a consultoria Aon, fosse o único fator determinante, os reajustes dos planos individuais regulados pela ANS também seriam significativamente maiores, próximos ou superiores a esse percentual.
No entanto, a metodologia da ANS considera um equilíbrio entre custos das operadoras e a sustentabilidade do mercado, utilizando índices gerais como IPCA e dados de sinistralidade agregada, o que resulta em aumentos mais moderados.
Assim, a diferença entre os reajustes regulados da ANS e os aumentos nos coletivos sugere que fatores além da inflação médica, como estratégias de mercado e falta de transparência, desempenham um papel central nos aumentos aplicados aos consumidores de contratos empresariais.
“Nos últimos anos, muitos beneficiários de planos de saúde têm enfrentado dificuldades financeiras significativas devido aos reajustes abusivos. Isto porque é comum que as operadoras aumentem os valores das mensalidades sem uma justificativa clara e transparente, o que acaba penalizando o consumidor”, explica o advogado e professor de Direito, Elton Fernandes.
A judicialização da saúde, citada como um fator de aumento de custos, tem impacto limitado no reajuste dos planos de saúde. Decisões judiciais que obrigam operadoras a cobrir procedimentos não previstos no rol da ANS, por exemplo, representam menos de 2% dos custos totais, segundo estudos do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Desse modo, atribuir os reajustes à judicialização é uma simplificação que desvia o foco do lucro das operadoras e da falta de regulação nos planos coletivos.
Além disso, a incorporação de novas tecnologias e o aumento da demanda por atendimentos eletivos são fatores reais, mas sua relevância é questionável quando comparada aos lucros das operadoras.
“A ausência de regulação nos reajustes dos planos coletivos permite que as operadoras aumentem os valores de maneira descontrolada, muitas vezes com base apenas em seus interesses financeiros”, pondera Elton Fernandes.
Os aumentos abusivos afetam diretamente os consumidores, especialmente idosos e portadores de doenças crônicas. Isto porque os aumentos comprometem o orçamento familiar, levando muitos a migrarem para planos com menor cobertura ou até desistirem da saúde suplementar.
Diante desse cenário, algumas estratégias podem ajudar a mitigar os impactos dos reajustes abusivos dos planos de saúde coletivos:
A narrativa da inflação médica como principal justificativa para os reajustes dos planos de saúde em 2025 é insuficiente e mascara outros fatores, como os lucros das operadoras e a ausência de regulação nos planos coletivos.
A diferença entre os reajustes regulados pela ANS (próximos ao IPCA) e os aplicados aos planos coletivos (muitas vezes superiores a 20%) evidencia uma prática que prioriza o lucro em detrimento da sustentabilidade do sistema.
A boa notícia é que a Justiça tem revisto esses aumentos e muitas decisões têm equiparado os reajustes abusivos dos planos coletivos aos índices autorizados para planos individuais.
Sendo assim, consumidores podem buscar maior transparência e, quando necessário, recorrer à Justiça para obter reajustes justos e alinhados à realidade econômica. Em caso de dúvidas, fale sempre com um advogado especialista em planos de saúde.
“Na grande maioria dos contratos, é possível pleitear a revisão da mensalidade do plano de saúde em decorrência de reajustes abusivos. Você tem mais direitos do que imagina - e informação é o primeiro passo para fazer valer cada um deles”, conclui Elton Fernandes.
Elton Fernandes, advogado especialista em ações contra planos de saúde, professor de pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto, da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Instituto Luiz Mário Moutinho, em Recife, professor do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Medicina da USP, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São Caetano do Sul e autor do livro "Manual de Direito da Saúde Suplementar: direito material e processual em ações contra planos de saúde".