A neuroestimulação sacral é um procedimento médico indicado para o tratamento de condições como incontinência urinária, alguns casos de incontinência fecal e retenção urinária crônica.
Apesar de sua indicação clínica e dos benefícios relatados em diversos quadros, muitos pacientes enfrentam dificuldades para obter a cobertura desse tratamento pelos planos de saúde.
Na prática, a negativa costuma ocorrer sob o argumento de que a neuroestimulação sacral não consta no Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou de que o paciente não atende às diretrizes de utilização técnica da listagem.
No entanto, esse posicionamento tem sido frequentemente questionado, especialmente quando há prescrição médica fundamentada indicando a necessidade do procedimento.
Diante desse cenário, surgem dúvidas comuns entre os beneficiários: o plano de saúde pode negar a cobertura da neuroestimulação sacral? O que diz a legislação sobre esse tipo de tratamento? Como a Justiça tem se posicionado em casos de negativa?
Neste artigo esclaremos os principais pontos relacionados à cobertura da neuroestimulação sacral pelos planos de saúde, incluindo os motivos mais frequentes das recusas, o entendimento dos tribunais e as possibilidades de análise judicial da questão.
Continue a leitura para entender:
A neuroestimulação sacral é um procedimento médico utilizado para modular a atividade dos nervos sacrais, responsáveis pelo controle da bexiga, do intestino e de funções relacionadas ao assoalho pélvico.
A técnica consiste na aplicação de estímulos elétricos de baixa intensidade nesses nervos, com o objetivo de regular sinais neurológicos que estejam funcionando de forma inadequada.
Esse tipo de tratamento é indicado, principalmente, para pacientes com incontinência urinária, alguns casos de incontinência fecal e retenção urinária crônica, especialmente quando outras abordagens terapêuticas não apresentam resultados satisfatórios.
A indicação deve sempre partir de avaliação médica individualizada, considerando o histórico clínico e as necessidades específicas de cada paciente.
Por se tratar de um procedimento com finalidade terapêutica e prescrição médica, a neuroestimulação sacral não pode ser confundida com tratamento experimental.
Em muitos casos, sua utilização é respaldada por evidências clínicas e integra as opções disponíveis para o manejo de disfunções do trato urinário e intestinal.
A neuroestimulação sacral é indicada em situações específicas, geralmente quando o paciente apresenta disfunções urinárias ou intestinais persistentes e não obteve melhora com tratamentos convencionais.
A recomendação do procedimento deve ser feita por profissional médico, após avaliação clínica detalhada e análise do histórico do paciente.
Entre as principais indicações estão casos de incontinência urinária, incontinência fecal e retenção urinária crônica, sobretudo quando terapias medicamentosas, fisioterapia ou outras abordagens conservadoras não alcançam os resultados esperados.
Nessas situações, a neuroestimulação pode ser considerada uma alternativa terapêutica para melhorar o controle das funções afetadas.
A indicação médica costuma vir acompanhada de relatório clínico que descreve o quadro do paciente, os tratamentos previamente realizados e a justificativa para a adoção da neuroestimulação sacral. Esse documento é especialmente relevante quando há necessidade de solicitar a cobertura do procedimento ao plano de saúde.
Como obter a neuroestimulação sacral pelo plano de saúde - Foto: JComp/Freepik
Mesmo diante de indicações médicas para a realização da neuroestimulação sacral, não é incomum que beneficiários enfrentem a negativa de cobertura por parte dos planos de saúde.
Esse tipo de situação costuma gerar insegurança e dúvidas, especialmente em relação à legalidade da recusa.
De forma geral, a justificativa apresentada pelas operadoras está relacionada às diretrizes de utilização técnica do rol da ANS para a cobertura da neuroestimulação sacral. Com base nisso, as operadoras alegam que não estariam obrigadas a custear o tratamento.
De acordo com o rol da ANS, o implante de gerador para neuroestimulação deve ser coberto apenas para:
Entretanto, o rol da ANS estabelece apenas a cobertura mínima obrigatória, não sendo o único parâmetro para a análise do direito à assistência à saúde.
Quando há prescrição médica fundamentada e o procedimento é indicado como parte do tratamento adequado ao quadro clínico do paciente, a negativa de cobertura pode ser questionada.
A legislação que rege os planos de saúde e as normas de proteção ao consumidor reforçam que o acesso ao tratamento necessário não deve ser limitado de forma automática pela ausência do procedimento no rol da ANS.
Por isso, cada caso deve ser analisado de maneira individual, considerando a indicação médica e as características do contrato firmado com o plano de saúde.
O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar reúne os tratamentos, exames e terapias que os planos de saúde são obrigados a oferecer aos seus beneficiários.
Durante muito tempo, houve intenso debate jurídico sobre a natureza desse rol, especialmente nos casos em que o tratamento indicado pelo médico não estava expressamente listado.
Em 2022, a discussão ganhou novos contornos com a edição da Lei nº 14.454, que alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998).
A norma estabeleceu critérios objetivos para a cobertura de procedimentos não incluídos no rol da ANS, reconhecendo que a lista não deve ser aplicada de forma automática e restritiva.
De acordo com a lei, a ausência de determinado tratamento no rol não impede, por si só, a sua cobertura, desde que haja prescrição médica e comprovação de eficácia, à luz da medicina baseada em evidências.
Além disso, decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçou a compreensão de que o rol da ANS não pode ser utilizado de maneira absoluta para limitar o acesso a tratamentos necessários à saúde do paciente.
O entendimento consolidado é o de que a análise deve considerar o caso concreto, a indicação médica e a finalidade terapêutica do procedimento, evitando restrições que contrariem o direito à saúde e a legislação vigente.
Dessa forma, o rol da ANS funciona como uma referência mínima de cobertura, servindo como parâmetro regulatório, mas não como uma lista exaustiva capaz de afastar, automaticamente, a obrigação de custeio de tratamentos adequados e necessários.
Essa interpretação tem sido aplicada em diferentes situações, inclusive nos casos envolvendo a neuroestimulação sacral, quando há indicação médica fundamentada.
O entendimento predominante nos tribunais é no sentido de que a cobertura da neuroestimulação sacral pelos planos de saúde deve ser analisada a partir da indicação médica e da finalidade terapêutica do procedimento.
Em diversos casos, a Justiça tem considerado indevida a negativa de custeio quando o tratamento é prescrito como necessário ao quadro clínico do paciente. Veja um exemplo, a seguir:

As decisões judiciais levam em conta que a Lei dos Planos de Saúde assegura o acesso aos tratamentos adequados para a condição de saúde do beneficiário, independentemente da operadora ou da modalidade do contrato firmado.
Assim, aspectos como o tipo de plano ou a classificação do contrato não costumam ser determinantes, por si só, para justificar a recusa da cobertura.
Também há precedentes que reconhecem a possibilidade de o plano de saúde ser responsabilizado pelo custeio do procedimento mesmo quando não há prestadores credenciados aptos a realizar a neuroestimulação sacral.
Nessas situações, a Justiça tem entendido que o tratamento pode ser realizado em estabelecimento particular, com os custos assumidos pela operadora, desde que observados os critérios definidos no caso concreto.
De modo geral, a análise judicial considera a documentação médica apresentada, a justificativa da negativa e as normas que regem os planos de saúde, evitando interpretações que restrinjam de forma automática o acesso ao tratamento indicado.
Quando o plano de saúde nega a cobertura da neuroestimulação sacral, é importante reunir a documentação necessária para possibilitar a análise do caso.
Entre os principais documentos estão:
O relatório médico deve conter informações sobre o diagnóstico, o histórico do paciente e os motivos que fundamentam a indicação da neuroestimulação sacral como parte do tratamento.
Já a justificativa da operadora é relevante para compreender as razões da recusa e avaliar se a negativa está de acordo com a legislação que regula os planos de saúde.
Cabe destacar que a prescrição do procedimento não precisa ser feita, obrigatoriamente, por médico credenciado à operadora.
Além disso, o beneficiário tem o direito de solicitar e receber, por escrito, as razões da negativa de cobertura, conforme previsto nas normas aplicáveis ao setor.
Com esses documentos em mãos, a situação pode ser submetida à análise jurídica, considerando a Lei dos Planos de Saúde, o Código de Defesa do Consumidor e o entendimento adotado pelos tribunais.
Em casos que envolvem urgência ou risco à saúde, é possível requerer ao Judiciário a apreciação do pedido em caráter de tutela de urgência (liminar), cuja concessão dependerá da avaliação do juiz diante das circunstâncias apresentadas.
Saiba mais sobre o que é liminar e o que acontece depois da análise da liminar neste link.
A cobertura da neuroestimulação sacral pelos planos de saúde envolve a análise de diversos fatores, como a indicação médica, o contrato firmado com a operadora, a justificativa da negativa e o entendimento jurídico aplicável ao caso concreto.
Por essa razão, não é possível afirmar que toda demanda relacionada ao custeio do procedimento resulte, automaticamente, em decisão favorável.
Cada situação deve ser avaliada de forma individual, considerando as particularidades clínicas e contratuais, bem como os elementos de prova disponíveis.
A ausência de “causa ganha” reforça a importância de uma análise criteriosa, baseada na legislação dos planos de saúde, no Código de Defesa do Consumidor e nas decisões dos tribunais.
Diante de uma negativa de cobertura, a orientação jurídica especializada permite compreender as alternativas existentes, os riscos envolvidos e os caminhos possíveis para a defesa do direito à saúde.
Esse acompanhamento é fundamental para avaliar a viabilidade da medida judicial e para conduzir o caso de forma técnica, ética e adequada às normas vigentes.

Elton Fernandes, advogado especialista em Direito da Saúde, professor de pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto, da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Instituto Luiz Mário Moutinho, em Recife, professor do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Medicina da USP, presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São Caetano do Sul e autor do livro "Manual de Direito da Saúde Suplementar: direito material e processual em ações contra planos de saúde".
ELTON FERNANDES SOCIEDADE DE ADVOGADOS
22.692.544/0001-02