Operadora de saúde não pode interferir na relação de confiança entre médico e paciente: plano de saúde deve cobrir cirurgia prescrita por médico não credenciado ao plano de saúde
A operadora de saúde não pode exigir que o paciente, para ter acesso ao seu direito de tratamento à saúde, seja condicionado a escolher profissional credenciado da operadora, sobretudo quando a lei que regulamenta os planos de saúde não faz tal exigência.
O Tribunal de Justiça de São Paulo já reafirmou inúmeras vezes que a escolha do profissional médico é um direito do paciente, não podendo ele sofrer interferência de terceiros.
Além de outras normas, a própria Lei dos Planos de Saúde, aliás, deixa isto claro logo no art. 1º:
Art. 1º. Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege sua atividade adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I – Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não da rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; (destacamos)
Conforme posicionamento reiterado da Justiça, desde que não haja custo de honorários médicos à operadora e realizando a cirurgia em hospital da rede credenciada, a operadora de saúde não pode impedir que o paciente realize o procedimento cirúrgico com quem ele escolher.
Até porque, convenhamos, isto é inclusive mais benéfico à ela que não terá de pagar os honorários do médico, arcando apenas com os custos triviais de um procedimento cirúrgico em sua rede.
A relação médico-paciente é uma relação de confiança e não pode ser pautada por terceiros. Nos termos do artigo 1º da lei 9656/98 e do CONSU 8 da ANS, a operadora de saúde não pode negar a realização de cirurgia pelo simples fato do profissional escolhido não ser credenciado, desde que, claro, não se impute custos de honorários médicos à operadora.
O cirurgião escolhido é o profissional de confiança do paciente. É com ele que vem realizando o tratamento, não podendo a operadora de saúde impor a ele que realize cirurgia com profissional que não conhece.
Não há sentido jurídico na negativa da operadora de saúde que, inclusive, contraria a lei 9656/98. A operadora só deverá arcar com todos os demais custos da cirurgia, como ocorreria em qualquer situação, exceto honorários médicos do profissional eleito que não é credenciado.
No livro “Direitos do Paciente” (Saraiva, 2012), anota o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, lembra a todos nós que é direito do paciente decidir os rumos de seu tratamento:
“A dignidade como autonomia envolve em primeiro lugar, a capacidade de autodeterminação, o direito de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente a própria personalidade. Significa o poder de realizar as escolhas morais relevantes, assumindo a responsabilidade pelas decisões tomadas”.
Ainda, anota o Ministro do Excelso Pretório que: “A visão da dignidade como autonomia valoriza o indivíduo, sua liberdade e seus direitos fundamentais”.
Aliás, o artigo 15 do Código Civil, privilegiando a AUTONOMIA DA VONTADE, nos lembra que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.”
Também o artigo 24 do Código de Ética Médica diz ser vedado:
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Assim, é ilegal a operadora de saúde impor a escolha de um médico credenciado ao plano para realizar a cirurgia, ou mesmo negar a realização do exame ou do procedimento cirúrgico em razão do profissional solicitante não pertencer à rede própria ou credenciada da operadora.
Escrito por:
Elton Fernandes, advogado especialista em ações contra planos de saúde, professor de pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar da USP de Ribeirão Preto, da Escola Paulista de Direito (EPD) e do Instituto Luiz Mário Moutinho, em Recife, e professor do Curso de Especialização em Medicina Legal e Perícia Médica da Faculdade de Medicina da USP. |